Mas de algum modo as pessoas são eternas. Clarice Lispector Não havia herança. Apenas umas coisas pessoais. A sacola de costuras veio junto. Sabia o que continha. Coisas. A alquimia da perda prematura transformou-as em ícones. Devagar ia alinhando todas sobre a mesa. Cada uma mais sagrada que a anterior. Sentia a mãe por perto. A caixa de botões foi a última. Abriu o trinco com suspense. Ritual. Trouxe de criança. E a temeridade que o sagrado impõe. Ficou extasiada ante o tesouro. Como sempre ficou. Reconheceu as jóias. Uma a uma se encaixando num pedaço do passado. O indicador a revirar, o medo de ser espetado por um alfinete. Pegou alguns botões. Na palma pequena da sua mão o pensamento a carregou. Como quando criança. Um pequeno botão forrado. Tecido estampado, o primeiro ao qual se atentou. Pinçou-o entre o indicador e o polegar. Trouxe-o perto dos olhos no gestual de um ourives. Uma foto sépia. As duas à porta da loja de chapéus. A vitrine mostrando